quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

É possível avançar após 15 anos dos JEFs




É possível avançar após 15 anos dos JEFs


Juizados especiais federais transformaram a maneira de prestar a justiça no Brasil


Antônio Cesar Bochenek

Márcio Augusto Nascimento


13 de Janeiro de 2017 - 08h28


A Lei n. 10.259, que passou a produzir efeitos em 13/01/2002, completa 15 anos de vigência. Os juizados especiais federais (JEFs) transformaram a maneira de prestar a justiça no Brasil, para além de assegurar ou restabelecer inúmeros direitos. A implantação das estruturas físicas e a adoção do procedimento dos juizados não foram imediatas, mas cada Tribunal Regional Federal estabeleceu um cronograma. Posteriormente, merecem ser destacadas as ações de informatização e implementação de novas tecnologias aos processamentos das demandas.


Entretanto, as inovações e as criações da Lei dos JEFs foram significativas e romperam paradigmas arraigados nas formas tradicionais de aplicar o direito e fazer a justiça. É possível citar vários exemplos de medidas de impacto e relevância, tais como: a possibilidade de realização de conciliação e mediação por entes públicos, a eliminação do reexame necessário, a simplificação das comunicações processuais (intimações e citações por via eletrônica), a eliminação de privilégios em relação a prazos dilatados para a realização de atos processuais, além da utilização de novas tecnologias com os equipamentos de videoconferências e o processo inteiramente eletrônico. Estas experiências reduziram consideravelmente a realização de atividades meios e o tempo de tramitação do processo, numa revolução positiva para a efetividade da prestação jurisdicional.


Ainda, pela primeira vez na legislação brasileira, como norma processual para demandas individuais, foi prevista uma forma de sobrestamento de processos repetitivos e de participação democrática dos demais atores sociais (conhecida como animus curiae), na tentativa de amenizar a sobrecarga de feitos nas instâncias superiores. O objetivo principal foi otimizar a tramitação das demandas e apresentar uma solução num caso concreto com a formação de um precedente a ser utilizado nos demais casos semelhantes. Aliás, o sistema foi aperfeiçoado e ampliado no novo CPC para se tornar a nova diretriz processual no ordenamento jurídico brasileiro.


A efetividade do direito também é um ponto de destaque dos juizados especiais federais. A simplificação e a redução do prazo para o cumprimento das decisões judiciais são dois valores essênciais no âmbito dos juizados especiais. O pagamento de valores inferiores a 60 salários mínimos, no prazo máximo de 60 dias, é realizado por meio da RPV (requisição de pequeno valor), sem necessidade de expedição de precatório. Eventual frustração no cumprimento da decisão enseja o sequestro judicial, inclusive por ordem de magistrado de primeira instância, para retirada de valores de qualquer conta bancária para garantir o efetivo pagamento.


As transformações nas atividades judiciais foram significativas e relevantes para o aperfeiçoamento e aprimoramento dos serviços prestados pelos operadores do direito na realização da justiça, por meio do processo. Tão marcantes que o legislador praticamente reproduziu o texto da Lei dos Juizados Especiais Federais para criar os Juizados de Fazenda Pública dos Estados e Municípios (Lei 12.153/09). As alterações legislativas também seguiram os parâmetros e os padrões inaugurados pelos JEFs, e até o novo CPC está repleto de exemplos. Sem dúvida, a sociedade, em especial os segurados da previdência social, foram os mais beneficiados com a celeridade e a efetividade das decisões dos juizados, para além de assegurar o pagamento de valores fundamentais a grande parte de brasileiros em situações de risco social como a idade ou a incapacidade para o trabalho. Os JEFs podem ser considerados como um permanente programa de redistribuição de renda de grande relevância, principalmente nas cidades e regiões menores e mais distantes dos grandes centros urbanos.


Também é salutar mencionar a experiência dos JEFs em relação a produção da prova pericial: com a disponibilização antecipada de recursos públicos para o pagamento dos honorários dos peritos; antecipação do momento da produção da prova com ênfase na celeridade da prova; bem como na padronização dos procedimentos. A nova sistemática contribuiu significativamente para facilitar a conciliação das partes a respeito do objeto da demanda ou a decisão final do processo.


Antes dos JEFs, um processo previdenciário de concessão, ou não, do auxílio-doença poderia demorar de 2 a 3 anos somente na primeira instância, diante das formalidades do processo civil comum com a nomeação de perito, aceitação do encargo, arbitramento de honorários periciais, intimação das partes para apresentar quesitos, depósito dos honorários periciais, realização da perícia, eventual realização de audiência para produção de prova oral ou oitiva do perito, impugnação do laudo pericial pelas partes, complementação do laudo pelo perito. Nos juizados, no mesmo ato de ajuizamento da ação, o segurado fica sabendo o local, a data, o horário e o nome do médico perito nomeado pelo juízo para a realização da perícia antes mesmo da contestação da parte ré. Com a inicial já vem os quesitos ao perito e o INSS já deixa os seus quesitos depositados em juízo. O julgador também previamente disponibiliza os seus quesitos. O depósito dos honorários do profissional que conduzirá a produção da prova pericial é adiantado à conta do respectivo tribunal se a parte é beneficiária da justiça gratuita. O perito apresenta o laudo pericial em 30 dias. As partes são intimadas e se manifestam. O juiz decide eventual impugnação e os autos são conclusos para sentença em até 30 dias.


Em comparação com os ritos e os procedimentos definidos pela legislação em vigor e em prática no judiciário, os JEFs são exemplos de boas práticas, ainda que em alguns locais seja necessário melhorar a estrutura material e de servidores para dar conta a sobrecarga de trabalho. Os números de demandas ajuizados são elevados, bem como os índices de resolução dos conflitos. Entretanto, o mais relevante é que os direitos são reconhecidos e muitas pessoas recebem seus benefícios por intermédio de decisões judiciais que são efetivadas em prazos razoáveis.


Entre tantas transformações positivas, é possível dizer que uma das maiores realizações dos JEFs foi a aproximação da Justiça Federal (antes considerada como uma justiça distante da realidade social) daquelas pessoas mais pobres e menos favorecidos, que se encontram em situações de risco (idade avançada ou incapacidade para o trabalho), que são os que mais necessitam do amparo previdenciário e assistencial do Estado.


Hoje, aqueles que estão mais distantes dos grandes centros e os mais necessitados tem o conhecimento de que é possível se dirigir aos JEFs para requerer os seus direitos de saúde, habitação, seguro desemprego, amparo social ao idoso e ao deficiente, benefícios previdenciários de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, licença maternidade, aposentadoria por idade urbana e rural, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial. Ainda, os juizados recebem muitas reclamações por danos morais de diversas naturezas e também sobre temas contratuais e obrigacionais, além de inúmeras outras demandas.


A ampliação do acesso aos direitos e à justiça é um dos temas centrais dos juizados especiais, seja a gratuidade para todos na primeira instância, seja a possibilidade do atendimento ser realizado e encaminhado por advogados dativos ou voluntários, bem como pelos próprios JEF por meio do setor de atermação ou de escritórios de faculdades de Direito conveniados, tudo de forma gratuita. São boas práticas que sobretudo promovem a integração justiça e sociedade.


Muito se fez. Porém, é preciso avançar mais.


As relevantes experiências e inovações dos JEFs não são perfeitas ou acabadas. O direito assim como a sociedade estão em evolução e necessitam de constantes aprimoramentos. A par das funcionalidades existentes, a prática processual revela que é possível fazer ainda mais para avançar e tornar os JEFs um sistema de referência para a prestação jurisdicional da Justiça Brasileira. Para tanto, apontamos algumas sugestões e considerações que submetemos a comunidade jurídica brasileira para debate e aprimoramento.


A primeira medida, de ordem legislativa, é a proposta de alteração da limitação da matéria previdenciária ao patamar de 60 salários mínimos nos JEF. Defendemos que toda a matéria previdenciária, independentemente do valor ou da complexidade, deva ser processada e julgada pelo procedimento dos JEFs. Os benefícios previdenciários têm natureza alimentar, o que por si só bastaria para justificar a primazia dos juizados. Ainda, a maior parte das pessoas que discutem os seus direitos previdenciários estão em estado de risco social, seja porque estão doentes, inválidas, com deficiência que impede o seu próprio sustento, seja porque estão privadas da ajuda material que teria direito na forma da lei.


Para tanto, também é imprescindível, em alguns lugares, dotar os juizados com estruturas adequadas e condizentes com a sua relevância social. De outro lado, o aperfeiçoamento e a capacitação de juízes e servidores, bem como a criação de varas especializadas dos JEFs, em matéria previdenciária, são imprescindíveis para que os cidadãos brasileiros possam aproveitar a rapidez e o julgamento de todas as causas de matéria previdenciária e assistencial.


O sistema recursal é outro ponto que merece adequações. Infelizmente, ao contrário dos valores e critérios orientadores dos juizados para a simplificação, atualmente os JEFs contam com 5 instâncias recursais: Turma Recursal (TR), Turma Regional de Uniformização (TRU), Turma Nacional de Uniformização (TNU), STJ e STF. Sem falar que nesses recursos de uniformização, pode haver negação de seguimento pelo respectivo presidente da turma e a parte recorrente pode interpor agravo de instrumento para apreciação pelo colegiado, além da via da reclamação agora regulamentada no novo CPC, o que somariam muitos recursos num único processo de modo incompatível com os valores de celeridade e simplicidade.


E isso tem um agravante: em vários locais, a jurisprudência das Turmas Recursais é muito mais rígida do que a liberal dos TRF e do STJ, o que cria decisões contraditórias para a mesma situação concreta. Como explicar isso para o cidadão que perdeu uma ação na Turma Recursal, sendo que o vizinho dele em igual situação venceu no TRF? Na prática, muitos os advogados, quando é possível, tem preferido ajuizar as ações na Justiça Estadual por meio da competência delegada prevista no artigo 109 da Constituição, e não nos JEFs, para que eventual recurso seja apreciado pelo TRF. Aliás, é urgente reduzir ou até eliminar a competência constitucional delegada em matéria previdenciária em face da estruturação da Justiça Federal no interior do Brasil com a finalidade de ajustar uma situação histórica não mais condizentes com a realidade atual.


Uma proposta a ser debatida seria a extinção da competência delegada para a Justiça Estadual e a extinção das Turmas Recursais com interposição de recurso dos JEF diretamente aos Tribunais Regionais Federais (TRF). Assim, teríamos no máximo 3 recursos: TRF, STJ e STF. A atual estrutura das Turmas Recursais seriam absorvidas pelos TRF.


Outro ponto que merece alteração imediata é a forma da contagem de prazos nos JEFs, que hoje é em dias úteis conforme o art. 219 do CPC. Em razão de que não havia norma expressa na Lei 10.259, nem na Lei 9.095 (dos Juizados Estaduais), a maioria dos operadores tem aplicado a referida norma do CPC aos JEFs. Contudo, a proposta essencial do JEFs de uma rápida resposta jurisdicional ao pleito do autor da ação restou prejudicada com a contagem do prazo em dias úteis. Por exemplo, o prazo mínimo de 30 dias entre a data da citação e a data para a realização da audiência foi ampliado, por ser contado em dias úteis, para cerca de 40 a 45 dias (dependendo se a data de início ou de fim caem no final de semanal ou algum feriado).Essa situação precisa ser revista com urgência. A Ajufe apresentou ao parlamento uma proposta de alteração para que o legislador ajuste os prazos no âmbito dos JEFs. Para tanto, o Congresso Nacional necessita ter a sensibilidade de atender os reclamos da nação para que seja inserida regra específica determinando que a contagem do prazo nos JEFs volte a ser contado em dias corridos (e não dias úteis). A alteração legislativa pode ser realizada mediante a inserção de dispositivo na Lei 10.259 ou uma expressa previsão de exceção no próprio art. 219 do CPC, para enaltecer a celeridade como primado e conquista de todo o povo brasileiro.


Ainda há uma outra proposta para tornar extremamente ágil e dinâmico os juizados. O processo previdenciário instruído, analisado e julgado no mesmo dia. A fonte de inspiração é a justiça americana. A proposta: um ou dois dias por semana, por ordem de chegada, as partes trariam todos os documentos pertinentes ao seu caso, bem como as testemunhas se for necessária a prova oral. Se for caso de analisar a incapacidade um perito médico ficaria o dia inteiro nos juizados, e seria remunerado pelas perícias realizadas. Também seria relevante contar com o apoio de duas assistentes sociais para elaboração de laudos sociais e um oficial de justiça para eventuais diligências. O expediente começaria logo no início da manhã e não teria horário para terminar. Eventuais excessos de jornada, bem como a distribuição de processos seriam compensados no futuro.


O cidadão que não trouxer toda a documentação poderá optar por voltar na outra semana para ter instrução do feito e julgamento imediato ou distribuir o processo normalmente (segue o rito atual). Para melhor organização dos trabalhos os interessados previamente agendariam seu atendimento, mas com intervalos curtos de uma sessão de julgamento para outra (15 minutos). Antes, seria relevante fazer uma ampla divulgação desse novo modelo de prestação jurisdicional nos veículos de comunicação social, bem como aos advogados, procuradores e demais possíveis participantes do processo. Com a colaboração do INSS, também teríamos oportunidade de conciliação ou mediação no mesmo dia. A sentença, se não houver conciliação, seria a mais enxuta possível (uma ou duas laudas), fundamentada mas sem citar jurisprudência, doutrina. A utilização de formulários seria uma medida relevante para facilitar e agilizar o trabalho.


A sugestão proposta pode ser objeto de um projeto piloto e certamente muitos ficariam felizes em receber, instruir, analisar e julgar (ou conciliar) o processo no mesmo dia. E temos a certeza de que o segurado também ficaria satisfeito com essa justiça imediata. O judiciário e a sociedade ganhariam muito com a implementação da medida.


Destarte, verifica-se que os 15 anos de vigência da Lei n. 10.259 são motivo de comemoração e, também, de reflexão para aperfeiçoarmos os JEFs e alcançarmos um nível de excelência na prestação jurisdicional de toda a Justiça Brasileira. Para atingir esse objetivo, modificações estruturais e tecnológicas são imprescindíveis, sob pena dos juizados, num curto espaço de tempo, se tornarem mais morosos que as varas comuns, ou apresentarem outros vícios já conhecidos do sistema tradicional de justiça. As boas práticas dos JEFs estão por todos os lados, basta incentivá-las para avançar ainda mais na missão constitucional de fazer Justiça.


A legitimidade do Poder Judiciário e dos juízes se consolida com a satisfação da busca da justiça pelos cidadãos. E “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta” (Rui Barbosa). Essa é a missão de todos os operadores do Direito: tornar o processo judicial célere, efetivo e justo. Se cada um fizer a sua parte ou atuar de modo positivo e com boa vontade inevitavelmente teremos uma justiça e uma sociedade mais justa e igualitária.


Antônio Cesar Bochenek - juiz federal e ex-presidente de Ajufe

Márcio Augusto Nascimento - juiz federal


FONTE: http://jota.info/artigos/e-possivel-avancar-apos-15-anos-dos-jefs-13012017. Acesso em 08.02.2017.

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