Esta postagem é uma adaptação do artigo de autoria do notável juiz federal José Antonio Savaris, Aposentadoria por idade ao trabalhador rural independente – a questão do boia-fria, Revista de Previdência Social n. 309, São Paulo: 2006.
O art. 143 da Lei 8.213/1991 perdeu a vigência para os fatos futuros relativamente ao trabalhador rural (boia-fria) em 25/07/2006. Continuou a vigorar para o empregado rural, e somente a ele, até 31/12/2010, por meio de prorrogações fixadas nas Leis 11.368/2006 e 11.718/2008.
O regime contributivo exigível em um sistema previdenciário (art. 201 da CF) deve ser obtemperado por valores que impregnam o modelo de proteção social elegido pelo Constituinte de 1988 – a seguridade social. Fundada no princípio da dignidade humana (art. 1o., III), para o cumprimento dos objetivos constitucionais de erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o.).
Essa estrutura de redistribuição de rendas, calcadas na solidariedade e na igualdade, tem como traços mais marcantes – em todos os países que a adotaram – os ideais de universalidade e de uniformidade. A “uniformidade da seguridade social brasileira”, é dizer, a igualdade buscada pela nossa Constituição, em termos de proteção social, é aquela que busca promover equiparação na concessão de benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (CF, art. 194, III), estendendo aos trabalhadores rurais a proteção previdenciária já existente par aos trabalhadores urbanos.
O sistema especial de inclusão previdenciária, previsto nas EC 41/2003 e 47/2005, demonstra bem a busca pela universalização e uniformidade previdenciárias.
Nada obstante, se do segurado especial não se exige contribuição para a seguridade social, visto que a contribuição obrigatória incidente sobre o produto de sua comercialização (CF, art. 195, parág. 8o. e Lei 8.212/1991, art. 25, I) pode não existir na hipótese de inexistência de excedente a comercializar, não se justifica, sob o prisma da isonomia, a dispensa de um tratamento previdenciário mais restritivo ao boia-fria, que só exerce esta profissão porque não tem acesso a qualquer outra que lhe confira alguma segurança, encontrando-se em uma situação de inferioridade econômica em relação ao segurado especial.
Cabe, neste lanço, ponderar que não se vislumbra justificativa lógica, ética ou jurídica para se discriminar o mais vulnerável e hipossuficiente trabalhador rural (boia-fria), negando-lhe acesso à prestação previdenciária independentemente de contribuição, quando a sistemática de distribuição de benefício previdenciário mínimo para os segurados especiais, que presumidamente gozam de uma posição econômica mais vantajosa, não tem como norte fundamental a contrapartida pelo segurado. Voltamos à noção de igualdade material até mesmo em face do princípio da uniformidade e equivalência (CF, art. 194, II).
Diante dessa argumentação, pode-se extrair a proposição de que o trabalhador rural boia-fria, tanto quanto o segurado especial, faz jus aos benefícios por incapacidade, salário maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão e, independentemente do período em que completar o requisito etário, aposentadoria por idade, sem o recolhimento de contribuição para a seguridade social, de molde a se assegurar ao mais hipossuficiente dos rurícolas a satisfação de seu direito fundamental à previdência.
De outra banda, a jurisprudência do TRF da 3a. Região tem emprestado ao trabalhador boia-fria o mesmo regime do segurado empregado rural, ora vislumbrando equiparação pelas reais condições em que se desenvolvem as relações entre os contratantes e os trabalhadores contratados – habitualidade, subordinação, onerosidade (TRF 3a. Região, Proc. 1999.03.99.056004-6, Rel. Des. Federal Galvão Miranda, DJ 27/4/05), ora vislumbrando na própria legislação previdenciária de hierarquia infralegal o fundamento de equiparação (TRF 3a. Região, Proc. 2001.61.12.004133-3, Rel. Des. Federal Marisa Santos, DJ 20/4/05).
A 1a. Turma Recursal do Paraná, no Proc. 2008.70.95.000003-7/PR, sendo Relator para o acórdão o brilhante Juiz Federal Rony Ferreira, decidiu, por maioria, declarar a legalidade do lançamento de débito fiscal e da multa contra produtor rural que contratou trabalhador boia-fria, equiparando-o ao segurado empregado, nos termos do art. 30, I, alínea “a” da Lei 8.212/1991.
Nossos comentários: Conclui-se que, seja por um fundamento ou outro, o boia-fria não pode ficar sem o amparo da Previdência Social sob pena de se infringir diversos princípios constitucionais tais como: o da razoabilidade, o da dignidade da pessoa humana, o dos valores sociais do trabalho, o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e da marginalização com redução de desigualdades sociais e regionais, o da universalidade da cobertura previdenciária, o da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, o da equidade na forma de participação no custeio (quem não tem dinheiro sequer para prover as suas necessidades básicas pode ser dispensado do recolhimento direto da contribuição previdenciária). Então, em nosso entendimento, o art. 39, inciso I, da Lei 8.213/1991, deve ser aplicado ao boia-fria, volante, diarista, safrista, em obediência ao princípio constitucional da isonomia, pois não seria razoável, nem proporcional, oferecer proteção previdenciária ao pequeno produtor rural, por exemplo, e abandonar o boia-fria, o qual se encontra numa situação econômico-financeira muito pior. Seria um absurdo! E o Direito não compactua com absurdos! Muito menos a Justiça!
Postagem atualizada em 12/08/2014.
Os autores.
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