quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

TRF4 - POLUIÇÃO SONORA E SEGURANÇA NO TRÁFEGO. FERROVIA QUE CRUZA ÁREA URBANA. LIMITAÇÃO DO NÍVEL DO RUÍDO. RESOLUÇÃO Nº 1/90 DO CONAMA.


Comentários dos Autores: Apesar de a decisão abaixo se referir ao âmbito do processo comum, parece que questão similar poderia ser ajuizada e discutida na esfera dos Juizados Especiais Federais, desde que a ação fosse ajuizada por pessoa física ou outras admitidas no JEF. O Ministério Público Federal não pode figurar no polo ativo do JEF, mas pode e deve atuar como fiscal da lei ("custos legis").



AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5008069-25.2016.4.04.0000/RS
RELATOR : LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
AGRAVANTE : ALL AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S A
ADVOGADO : MAURICIO GIANNICO
: CANDIDO DA SILVA DINAMARCO
: SAMUEL MEZZALIRA
: STEFANIA LUTTI HUMMEL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO : AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT
: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT
: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN
: MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA/RS
: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO



EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. POLUIÇÃO SONORA E SEGURANÇA NO TRÁFEGO. FERROVIA QUE CRUZA ÁREA URBANA. LIMITAÇÃO DO NÍVEL DO RUÍDO. RESOLUÇÃO Nº 1/90 DO CONAMA.
1. O nível de ruído emitido pela buzina de trens em áreas urbanas não pode ultrapassar o limite máximo instituído pela Resolução nº 01/90 do CONAMA, de 70dB.
2. A tutela dos interesses coletivos prima pela não perturbação do sossego público, sendo vedada a elevação do nível de ruído em área urbana, por questões de segurança de tráfego, sob pena de legitimar poluição sonora prejudicial à saúde da população.


ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de agosto de 2016.


Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela ALL - América Latina Logística Malha Sul S.A. em face de decisão proferida em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal perante a Vara Federal de Cruz Alta/RS.


Sustenta o recorrente, em apertada síntese, que a decisão agravada, ao limitar o tráfego de trens e o acionamento de sinais sonoros em determinados horários com base em Lei Municipal, acaba praticamente inviabilizando o exercício da atividade, em clara ofensa ao que prevê o artigo 22, inciso XI, da CF/88. Argumenta, ainda, que a determinação contida na decisão ora guerreada, no sentido de impor à agravante a obrigatoriedade de providenciar um estudo sobre a viabilidade de modificação no traçado da faixa de domínio da ferrovia em Cruz Alta, além de ilegal, constitui medida irreversível, que não pode ser concedida liminarmente.


Deferido parcialmente o pedido de efeito suspensivo (evento 2).


A ANTT manifestou-se pelo provimento do recurso (evento 16).


Opostos embargos de declaração pela agravante, em face da decisão liminar, foram eles rejeitados (evento 24).


Em contrarrazões, evento 22, o MPF opinou pelo desprovimento do recurso, entendendo que 'é de ser prestigiada a decisão agravada, pois, na tentativa de equacionar os valores em jogo, ambos com assento constitucional - o livre exercício da atividade econômica pela agravada e o direito à integridade física, qualidade de vida e meio ambiente saudável da população de Santa Cruz - encontrou a solução que preserva o direito de ambas as partes.'


Em nova manifestação, eventos 46 e 64, a agravante invoca, a título de fato novo, a superveniência da norma técnica ABNT NBR nº 16.425 que, no seu entendimento, autoriza a emissão de ruído, pelo acionamento da buzina do trem, em nível muito superior àquele produzido pelos trens da agravante.


Acerca disso, o MPF, nos eventos 61 e 61, sustenta que a nova norma técnica invocada pela ALL não tem o alcance pretendido pela agravante, destacando que 'tal normatização é de ordem técnica e não considera o conteúdo ambiental, ao que utilizar tal normatização para o julgamento do presente recurso seria suprimir Instância, pois o juiz natural para fazer a análise da subsunção do caso concreto à Resolução CONAMA nº 01/1990 e da posterior Norma Técnica ABNT NBR nº 16.425 é o juízo de 1ª Instância, não cabendo ao TRF/4ª Região fazer tal mensuração neste momento processual, o que importaria supressão de instância.' Informa, de resto, o descumprimento da decisão liminar proferida neste recurso.


É o breve relato.


VOTO

Quando do exame do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, assim restou decidido:


A matéria discutida neste recurso não é nova na Corte.


Com efeito, em relação à limitação de horário para a realização de manobras e o próprio deslocamento dos trens na ferrovia, esta e. 4ª Turma já teve oportunidade de se manifestar em mais de uma oportunidade. No que interessa ao tópico, destaco aquilo que foi decidido no âmbito da AC 5012752-03.2011.4.04.7107/RS, da qual foi Relator o e. Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, aonde Sua Excelência pontuou, verbis:


Em que pese o julgamento cuja ementa foi acima transcrita, entendo que mostra-se desarrazoado o acolhimento do pedido do apelante no presente feito, para restringir o funcionamento das composições ferroviárias diariamente, nos horários entre 20h e 06h. Explico.
Tal limitação corresponderia a uma redução de 10 horas diárias no tráfego de trens e poderia levar a um colapso do sistema: conforme depreende-se das informações contidas na contestação apresentada pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (evento 9 - CONT1), anualmente, 2.425.000 toneladas de carga são transportadas na via ferroviária. Com a redução da jornada de transporte, seriam transportadas cerca de 994.000 toneladas a menos, o que prejudicaria o escoamento e comercialização dos produtos que dependem de transporte férreo.
Ademais, a fixação do horário de circulação de trens constitui ato administrativo discricionário, alheio, portanto, à intromissão do Poder Judiciário.
Por consequência, fica afastada a responsabilidade da Agência Nacional de Transportes - ANTT, pois incabível a limitação diária do tráfego das composições férreas entre 20h e 06h.


Com efeito, a situação merece especial relevância no momento em que, sabidamente, se aproxima o período de colheita de grãos no Estado, aliás, em particular na Região de Cruz Alta, importante pólo produtivo de soja. A manutenção das restrições teriam implicações muito graves na exploração da atividade econômica, o que, na ausência de um aprofundamento acerca das condições em que a atividade vem sendo exercida há décadas, não recomenda a adoção de tal medida em caráter liminar.


No que diz respeito ao acionamento da buzina, como meio sinalizador da aproximação dos trens, também houve enfrentamento da questão naquele julgamento, aonde restou assentado, verbis:


O que se faz evidentemente necessária é a eliminação ou diminuição da poluição sonora ocasionada pelo acionamento da buzina dos trens. Para tanto, impera a responsabilidade da concessionária em manter a segurança da comunidade no integral trajeto da ferrovia, incluindo as passagens de nível, por meio da implantação de medidas alternativas, porém igualmente adequadas, que promovam a segurança e permitam fiscalização.
É como dispõe o art. 12 do Decreto nº 1.832/96, in verbis:
Art. 12. A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio.
O direito à segurança é direito fundamental tutelado pela Constituição Federal, acrescido da exigência infraconstitucional no sentido de que a prestação do serviço público concedido deve atender ao regulamento e às cláusulas contratuais estabelecidas. O artigo 6º da Lei nº 8.987/95 preceitua que o serviço adequado deve garantir, entre outras condições exigidas, a segurança, portanto, inadmissível que ré tente se eximir da obrigação de implementar e executar medidas adequadas, que tornem a prestação do serviço de transporte ferroviário seguro.
Friso que se encontram em discussão dois importantes valores, quais sejam, o da segurança e o do descanso noturno em áreas próximas a ferrovias. O conflito estabelecido não atua a modo de, ao ponderá-los, excluir um deles de qualquer proteção. Tenho que a sua concomitante proteção pode ocorrer no caso dos autos, nada impedindo que, além dos estabelecimentos de medidas de segurança outras, determinadas na sentença recorrida, também se proteja os moradores locais da poluição sonora, fazendo-o através da redução dos níveis de ruído produzidos pelas buzinas utilizadas pelos trens, àqueles estabelecidos nas normas legais.
Nesse sentido, decidiu o TRF4 em jurisprudência análoga:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PRELIMINARES AFASTADAS. NEGATIVA DE PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO. POLUIÇÃO SONORA E SEGURANÇA DO TRÁFEGO. FERROVIA QUE CRUZA ÁREA URBANA. LIMITAÇÃO DO NÍVEL DE RUÍDO. RESOLUÇÃO Nº 1/90 DO CONAMA. GARANTIA DE SEGURANÇA AOS MORADORES - ADOÇÃO DE MEDIDAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CONCESSIONÁRIA, DO PODER CONCEDENTE E DO MUNICÍPIO. O direito à segurança é direito fundamental tutelado pela Constituição Federal. A sinalização das passagens de nível das linhas férreas compete tanto ao Município quanto à concessionária. Ao Município cumpre o dever de 'promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano'. A exploradora do serviço é responsável uma vez que a prestação do serviço público concedido deve atender ao regulamento e às cláusulas contratuais estabelecidas, sendo que artigo 6º da Lei nº 8.987/95 reconhece como serviço adequado aquele que satisfaz, entre outras condições exigidas, a segurança. 'A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio', sendo obrigada a 'manter a via permanente, o material rodante, os equipamentos e as instalações em adequadas condições de operação e de segurança, e estar aparelhada para atuar em situações de emergência, decorrentes da prestação do serviço de transporte ferroviário.' Inteligência do Decreto 1832/1996. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002567-46.2010.404.7201, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/05/2015)
A implantação de novas medidas de sinalização de passagem dos trens é imprescindível para garantir aos cidadãos direitos fundamentais, como saúde e segurança, diretamente conectados ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Em meu entendimento, a buzina não é o único meio de advertência da passagem do trem. Considero que outras medidas de segurança, como a utilização de cancelas, por exemplo, são meios suficientes para atuarem na prevenção de acidentes.
Plenamente viável que seja compelida somente a ré, ALL - América Latina Logística S/A, para a adoção de outras medidas de segurança, que não somente a sinalização sonora, tendo em vista que explora a linha férrea, obtém lucro, e cria, ou pelo menos, perpetua, o risco para a saúde da população e para a ocorrência de dano ambiental.
É fato indiscutível que o barulho produzido extrapola o nível máximo permitido pela Resolução do CONAMA nº 01/90. O ofício nº 223, que contém a tabela de ruídos obtidos na região (PROCADM8) refere que o ruído chega a atingir 127 dB (A) quando as buzinas são acionadas.
Portanto, uma vez sendo incontroverso que o ruído produzido extrapola o nível máximo permitido pela Resolução do CONAMA nº 01/90, que considera a NBR 10.152, entendo que, além das medidas alternativas de segurança a serem adotadas pela ALL - América Latina Logística S/A, é razoável que o som das buzinas emitidas pelos trens também sejam limitadas ao montante autorizado pela referida norma.
Observo que, também para a redução dos ruídos emitidos pelas buzinas sinalizadoras, somente deve ser responsabilizada a ALL - América Latina Logística S.A., responsável pela exploração do serviço de transporte ferroviário no local.


Nesse passo, então, andou bem a decisão agravada ao determinar a necessidade de restringir os horários para o acionamento dos sinais sonoros (buzina) nos trens.


Observo, todavia, que a fim de evitar a ocorrência de possíveis acidentes por conta da ausência de tal sinalização, impõe-se dilatar o prazo para vigência de tal proibição, a fim de permitir que a demandada, ora agravante, tenha um prazo razoável à adoção de medidas alternativas, como aquelas sugeridas alhures, que possam garantir a continuidade do serviço sem representar ameaça à segurança e bem-estar da população. Neste particular, aliás, fica consignado que se caso a redução do sinal sonoro aos limites estabelecidos na Resolução do CONAMA nº 01/90 representar ineficiência do sistema - o apito do trem alertando a aproximação - como medida de segurança, a demandada deve necessariamente adotar uma medida alternativa, como a instalação de cancelas.


Fica concedido, assim, o prazo de 90 (noventa) dias para que a ALL adote medidas corretivas e/ou substitutivas ao sinal sonoro ora emitido pela buzina dos trens.


Por fim, no tocante à determinação de realização de estudos no sentido de mapear e georreferenciar a faixa de domínio, tenho que razão assiste à agravante. É que, não obstante louvável a iniciativa do douto magistrado que preside o feito, no intuito claro de buscar uma solução definitiva para as diversas questões envolvidas na lide, com um debate amplo, é preciso não olvidar que a ALL, como mera concessionária do sistema de transporte ferroviário, parece não gozar de autonomia suficiente para realizar, sozinha, um estudo com tamanha envergadura. Não parece razoável, enfim, impor à demandada, em sede de liminar, o ônus de realizar tais estudos que podem, efetivamente, tornarem-se inócuos.
Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de efeito suspensivo para obstar os efeitos da decisão agravada na parte em que determina a realização de estudos com vista ao mapeamento e georreferenciamento da faixa de domínio e impõe limitação de horário para a realização de manobras e o tráfego de trens no Município de Cruz Alta/RS. No que diz respeito à sinalização sonora, fica concedido o prazo de 90 dias para que a agravante adote medidas de adequação ao nível máximo permitido pela Resolução do CONAMA nº 01/90 ou efetive medidas alternativas de segurança das passagens, tais como a implantação de cancelas.



Os argumentos trazidos pelas partes neste incidente não são suficientes para alterar a compreensão da matéria, como assim já deixei antever, aliás, por ocasião da decisão proferida em sede de embargos declaratórios, evento 24.


Resta, todavia, enfrentar as alegações trazidas pela ALL a título de fato novo e, por conseqüência, examinar eventual descumprimento da decisão proferida liminarmente, conforme assim sustenta o MPF no evento 62.


No tocante à edição superveniente da norma técnica NBR 16425, tenho que a tese defendida pela ora agravante não se sustenta.


Com efeito, quando se sustentou, para efeito de liminar, que o ruído da buzina acionada pelos trens utilizados pela ALL não deveria ser superior àquilo que a Resolução CONAMA nº 01/90 estabelece como nível máximo de ruído, certamente foi considerado que aquele dispositivo, ao fazer referência às normas da ABNT - e aqui vale uma correção, pois o texto da Resolução foi retificado para explicitar que é a NBR 10.151 e não a 10.152 que trata do ruído em áreas habitadas - o fez em consideração a um limite seguro de ruído como garantia de sanidade ambiental, ou seja, não é propriamente a elevação desse limite, por outra norma da ABNT, que vai determinar que o aumento não trás prejuízo à saúde daqueles que habitam no entorno das vias férreas.


No caso, essa diferenciação fica muito clara a partir do momento em que se verifica que pela Resolução nº 01/90 do CONAMA e a NBR 10.151 da ABNT é admissível em áreas habitadas, porque não prejudicial à saúde e ao sossego público, uma atividade cujo ruído não seja superior a 70dB (limite máximo, previsto para área predominantemente industrial).


Ora, se no caso dos autos entendeu-se que o ruído da buzina dos trens perturba o sossego público, e por isso deve tal sinalização adequar-se aos limites vigentes naquelas normas, o que dizer agora, em face dos novos limites estabelecidos pela NBR 16425 que, conforme afirma a própria agravante, 'são muito superiores ao nível de ruídos efetivamente produzidos pela buzina dos trens da ALL'?


É evidente que a tutela do interesse coletivo se faz pelo respeito àquilo que já era entendido como perturbador do sossego público, não podendo a elevação do nível de ruído, por questões de segurança do tráfego, autorizar a continuidade de algo que era e continua sendo prejudicial à saúde da população.


Todavia, não obstante se conclua que os trens da ora agravante não podem continuar emitindo um ruído superior àquilo que se entendeu aceitável já em sede de liminar, tenho que não é possível aplicar multa à agravante, como postula o MPF, por descumprimento daquela medida. É que já a partir do evento 46, dentro do prazo de 90 dias, a ora agravante vem peticionando nos autos e postulando o enfrentamento da matéria à luz da inovação normativa, no que veio acompanhada, aliás, por petição apresentada também pela ANTT no evento 16.


Por esse contexto, tenho como razoável fixar o prazo de trinta dias, a contar da data deste julgamento, para que a agravante dê cumprimento aos exatos termos da decisão proferida em sede de liminar, agora confirmada.


Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso.


Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator



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