A cultura que deveria haver por
trás das grades
Escrito por Carmela Grüne, publicado na Revista Continente.
O tema proposto traz como preocupação a necessidade de fomentar a
expressão da cidadania no cárcere, haja vista a cultura repressiva demonstrada
por grande parte da sociedade, que prefere isolar, ao invés de incluir. Punir
com toda vingança, retribuindo o mal com o mal.
Esse comportamento social faz parte de um processo
que, ao longo da história da humanidade, foi se perpetuando pelas práticas de
opressão, tortura e violência institucionalizadas como mecanismos de correção
do indivíduo, práticas que ainda são consideradas eficazes pela população.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirma: “A
sociedade está cada vez mais individualizada”. Dividida por fronteiras e muros,
ela estabelece o grau de contato com o qual quer enxergar as mazelas sociais,
entregando aos governantes responsabilidades que são coletivas, somente se
interessando pela realidade prisional quando é afetada pelo sistema com um
filho ou alguém próximo que vai preso. A partir desse momento, passam a indagar
por que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, um sistema
prisional superlotado e desumano.
Será que estamos mais violentos? Nossas políticas
públicas preventivas de combate à drogadição funcionam? Há planejamento
familiar? O acesso à justiça é proporcionado de modo adequado?
São questões diretamente relacionadas à nossa
cultura: 1) prendemos pessoas como se todas fossem violentas; 2) somos
coniventes com a propaganda ostensiva em horários nobres na televisão, com
atletas, artistas, personalidades, estimulando o consumo de álcool, a droga que
mais mata, no trânsito, porta de outras substâncias mais nocivas; 3) falta
planejamento familiar, os pais são ausentes de suas responsabilidades e as mães
adolescentes não têm estrutura para enfrentar a maternidade; 4) o acesso à
justiça é confundido como sinônimo de poder judiciário, causando confusão na
população, a qual acredita que a judicialização da vida seja o caminho, a
solução adequada aos conflitos. O que resulta no expressivo número de ações sem
julgamento – detentos sem sentença, há anos. É evidente que isso não faz
justiça.
É necessário refletir: quem pratica um crime,
geralmente, tem no seu passado uma história de violência social, familiar,
escolar, estatal. Não podemos tratar com violência aqueles que cometem crimes –
estamos reforçando comportamentos antissociais, deles e nossos.
Numa paz armada, em que sabemos que violência gera
violência, qual caminho estamos traçando? Muitas pessoas, quando ouvem falar de
algum tipo de proteção ou benefício concedido aos detentos, encaram de modo
negativo tal atitude, pois foram “educados” para pensar que quem fez algo
errado é um ser perigoso e deve ser isolado.
Quando cumprirem a pena, estarão prontos para quê?
Promover o diálogo, criar possibilidades de
expressão e sinergia entre as pessoas é uma realidade que precisa existir. Aqui
estamos falando no desenvolvimento do capital humano e social positivo, isto é,
em direcionar potencialidades e capacidades do grupo para o bem comum, tanto de
quem vive no cárcere como de quem olha essa cultura que transcende as grades.
Assim, a sociedade, como um todo, conhecendo a
realidade, pelas histórias de vida, poderá encarar de modo diferente a maneira
como age com as pessoas que, por algum infortúnio, erraram.
Quanto maior o número de demandas públicas e a
incapacidade do povo em deliberar a agenda política, mais a sociedade, destaca
Norberto Bobbio, torna-se ingovernável. Isso quer dizer que, sem conhecimento e
consciência coletiva, perpetuamos a cultura repressiva.
Quando os meios de comunicação são utilizados como
instrumento de debate, de discussão pública, o significado de fazer parte de
uma comunidade é fortalecido. Desenvolvemos e garantimos direitos fundamentais
pela emancipação de valores sociais, base moral e ética da convivência sadia.
Para termos bons cidadãos, é necessário um
investimento forte em práticas que promovam e enalteçam as capacidades e
qualidades de cada pessoa, refletindo na autoestima, na alteridade, na
identificação e redução do sentimento de nadificação e inexistência
social.
A cultura se mantém por meio do modo de propagação
e significados da vida. É urgente estimular essa expressão carcerária, advinda
de manifestações como música, dança, poesia, grafite, teatro, artigos
produzidos pelos próprios detentos, pois são formas criativas de trabalhar com
o imaginário social, construir um diálogo transdisciplinar, fazer com que o
cidadão possa compreender melhor a realidade prisional e o seu papel na mudança
de paradigmas dentro da vida em comunidade.
A interlocução do público com o privado deve
acontecer, seja pela união de Ministérios – da Cultura, Justiça, Educação,
Saúde – com empresas e instituições de ensino privadas, para a criação de
políticas públicas de acesso aos meios de comunicação, seja por rádio,
internet, blogs e através de conteúdos devidamente avaliados, para que atinjam
o objetivo proposto: fomentar a “cultura do e no cárcere”,
expressão cívica dos detentos.
Eles são “gente como a gente”. Artistas,
educadores, pessoas cheias de talentos reprimidos, da infância à vida adulta,
por diferentes motivos, alguns com grande potencial. A maioria, jovens que
precisam de oportunidades para trilhar um caminho longe das drogas, da criminalidade.
Fomentar cultura no sistema prisional é construir um novo olhar para a questão
de como a sociedade trata suas mazelas sociais – e a arte é um excelente
caminho para se fazer justiça e exaltar outra cultura. Cidadania sem expressão
gera opressão.
Devemos descobrir um novo continente ou permanecer
indiferentes a tudo que existe por trás das grades. O resultado está logo ali,
no futuro. Faça sua escolha.
Link do
artigo: http://www.revistacontinente.com.br/index.php/component/content/article/7518.html.
Link
Documentário Luz no Cárcere: http://www.youtube.com/watch?v=p506zy5utN4
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O documentário Luz no Cárcere exalta a prática de uma atitude
inovadora: o projeto Direito no Cárcere, coordenado por Carmela Grune,
diretora da empresa Estado de Direito Comunicação Social Ltda. O projeto
promove o exercício da cidadania local, proporcionando plataformas de expressão
do cotidiano carcerário aos apenados em tratamento de dependência química
da Galeria E-1 do Presídio Central de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do
Sul, Brasil. Com a utilização dos meios de comunicação, oportuniza o acesso à
justiça, à cultura e à informação, visando trabalhar as formas de sentir o
direito pela emoção e o prazer lícito a partir do estímulo do imaginário
social, a capacidade criativa, desenvolvendo um olhar de dentro para fora do
cárcere, exercitando a alteridade com reflexo na família e na comunidade.
A iniciativa contribui para o desenvolvimento de uma cultura mais plural, livre
de preconceitos. Desse modo, através da implementação dos subprojetos:
Literário, Direitos Humanos, Desmitificando o Direito, Rap Conexão Legal,
Direito de Repente, CinePresídio e Vlog Liberdade, incentiva o resgate da
autoestima, com o uso de pedagogia sensível, redescobrindo e retomando
capacidades e sonhos para uma vida com cidadania e dignidade.
Link do
documentário http://youtu.be/p506zy5utN4.
Leia o Jornal Estado de Direito
www.estadodedireito.com.br
Leia o Blog Direito no Cárcere
www.direitonocarcere.blogspot.com
Assista os vídeos do Estado de Direito
www.youtube.com/estadodedireito
Assista os vídeos do Direito no Cárcere
www.youtube.com/vlogliberdade
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