sábado, 16 de julho de 2016

O jurista Daniel Machado da Rocha faz importantes considerações sobre a aplicabilidade do adicional de 25% para as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição.


Novamente, com o objetivo de estimular o debate, seguem algumas breves considerações :



1)      O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, acolhida formalmente no ordenamento jurídico nacional pelo Decreto nº 6.949/09, observando o rito de maioria qualificada e votação em dois turnos, previsto no § 3º do art. 5º da CF/88. Este procedimento conferiu equivalência de emenda constitucional ao tratado. Em diversas previsões dessa Convenção, busca-se promover a igualdade, a partir do reconhecimento "que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano" (Preâmbulo, letra "h"). Nesse ponto, cabe anotar que o estado de invalidez atribui ao indivíduo a condição de pessoa com deficiência.   E existe maior necessidade previdenciária do que receber o apoio para enfrentar os encargos extras da invalidez?



2)      Superando as previsões gerais e principiológicas, o artigo 28 da CDPD, ao dispor sobre o padrão de proteção social adequado, consagra o dever de assegurar as pessoas com deficiência e suas famílias: "à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso" (letra "c"). Especificamente,  no plano da seguridade social, os Estados Partes da Convenção devem "assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria" (letra "e").



3)      Sobre a Teoria do legislador negativo, o STF de há muito tem reconhecido que os direitos fundamentais dotados de uma dimensão objetiva vinculam também o legislador e que o descumprimento total ou parcial do dever de legislar geram um estado de proteção insuficiente do direito fundamental. (Reclamação 4374). No mesmo voto, o ministro Gilmar Mendes destacou que  o legislador deve tratar a matéria de forma sistemática. Isso significa dizer que todos os benefícios da seguridade social (assistenciais e previdenciários) devem compor um sistema consistente e coerente.  Com isso, podem-se evitar incongruências na concessão de benefícios, cuja consequência mais óbvia é o tratamento anti-isonômico entre os diversos beneficiários das políticas governamentais de assistência social.  E ainda dá um exemplo daquilo que já vinha sendo decidido pela jurisprudência: a aplicação do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. Não haveria justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos que se aposentaram com um salário mínimo. Neste caso, o sistema acabaria por desestimular a contribuição à previdência social, gerando ainda mais informalidade, o que atesta a sua incongruência.



4)      Destaco, ainda, o julgamento recente do  RE 778889,  em 10.03.2016, sob o rito da Repercussão Geral, da relatoria do ministro Barroso, onde o STF deu provimento ao recurso extraordinário para fixar  a seguinte tese:  para fins de aplicação da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores ao prazo da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”. Na oportunidade, analisando a diferenciação existente no setor quanto à duração da licença-maternidade entre as mães-gestante e a mães-adotante, prevista na Lei nº 8.112/90, a Suprema Corte a considerou “ilegítima”, apontando, após considerações de várias ordens (quanto ao histórico próprio das crianças adotadas, sua maior suscetibilidade à doença, dificuldades na adaptação à nova família, autonomia da mulher, etc.), entendeu que “não existe fundamento constitucional para a desequiparação da mãe gestante e da mãe adotante, sequer do adotado mais velho e mais novo”, fugindo a mera literalidade do dispositivo legal e assentando o julgamento na norma jurídico-valorativa que está subjacente no texto legal.



5)      Então, entendo que quando pensamos em isonomia, logo surge a ideia de que mesmo a lei não pode efetuar discriminações que não estejam assentadas em um critério de razoabilidade.  É qual foi o critério de diferenciação eleito pelo legislador para a concessão do adicional de 25%? A modalidade de aposentadoria. Claro que a situação mais comum é aquela decorrente de um mesmo evento que provoca não apenas a invalidez, mas uma invalidez tão grave que coloca o cidadão em uma situação que afeta, além da sua condição de trabalhador, também sua autonomia. Mas a finalidade que determinou a criação do benefício foi o tipo de aposentadoria ou a maior gravidade do seu quadro clínico? Então o que nós podemos pensar é que originariamente, o legislador pensou em apenas uma das situações de necessidade do trabalhador na assistência permanente de outra pessoa. Por isso, é possível concluir que o  direito pleiteado é a correção de uma discriminação violadora da igualdade na proteção social conferida pelo sistema normativo constitucional e infraconstitucional, decorrente de o legislador previdenciário infraconstitucional excluir certos segurados, com base no benefício que eles recebem,  sem fundamento racional e desprovido de lógica, de determinada proteção social.



Fonte: Curso "Modificações Recentes do Regime Geral da Previdência Social", promovido pela EMAGIS do TRF da 4a. Região, maio de 2016.


Nota dos Autores: Com a sua habitual força argumentativa, o juiz federal Daniel Machado da Rocha demonstra que o princípio constitucional da isonomia determina que o adicional de 25% concedido ao segurado que necessita de assistência permanente de terceiros, deve ser aplicado, também, às aposentadorias por idade e por tempo de contribuição.

Neste sentido:


TNU entende que adicional de 25% é aplicável a aposentados quando comprovada a necessidade de assistência permanente de terceiros

A tese foi julgada como representativo de controvérsia para ser aplicada aos demais processos que tenham como fundamento a mesma questão de direito

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) firmou tese, durante sessão realizada no dia 12 de maio, de que é extensível às demais aposentadorias concedidas sob o Regime Geral da Previdência Social, e não só a por invalidez, o adicional de 25% previsto no art. 45 da Lei 8.213/91, desde que seja comprovada a incapacidade do aposentado e a necessidade de ser assistido por terceiro. A nova tese foi julgada como representativo de controvérsia para ser aplicada aos demais processos que tenham como fundamento a mesma questão de direito.

A decisão aconteceu durante o julgamento de um pedido de uniformização solicitado por um aposentado que sofre de doença degenerativa e depende da ajuda permanente de um parente. À TNU, ele requereu a reforma de acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul que, ao manter a sentença de primeiro grau, julgou improcedente o seu pedido de concessão do adicional de 25%.  

De acordo com os autos, o requerente sustentava ser possível a implantação do referido adicional a outros benefícios, tendo em vista que não é relevante o benefício originário, mas, sim, a invalidez que ocasionou a sua concessão. Afirmou, ainda, que a decisão está em desacordo com outros julgados paradigma, que entenderam ser cabível a extensão do adicional em situações semelhantes.

Para o juiz federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, relator do processo na TNU, foi caracterizada a divergência de entendimento quanto ao direito material, em razão da ocorrência de similitude fática entre o julgado recorrido e os apresentados como paradigma.

Quanto ao mérito, Queiroga afirmou que a legislação prevê textualmente sua concessão apenas para os beneficiários da aposentadoria por invalidez, mas que, contudo, “aplicando-se o princípio da isonomia e se utilizando de uma análise sistêmica da norma, conclui-se que o referido percentual, na verdade, é um adicional previsto para assistir aqueles segurados aposentados que necessitam de auxílio de terceira pessoa para a prática dos atos da vida diária”, disse o juiz.

Segundo o magistrado, segurados que se encontram na mesma situação não podem ser tratados de maneira distinta pelo legislador sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade por omissão parcial. “A mesma essência de entendimento foi aplicada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 589.963-PR, no qual foi declarada a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), onde se reconheceu a inconstitucionalidade parcial por omissão do legislador”, destacou ele.

Queiroga ressaltou, ainda, que a interpretação restritiva do art. 45 da Lei n. 8.213/91 “implica interpretação que viola, a um só tempo, o princípio da vedação da proteção insuficiente de direito fundamental (Rcl 4374, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, DJ 04/09/2013) e o princípio da isonomia (RE 580963, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, DJ 14/11/2013).

O juiz federal ressalvou, também, que o que se pretende com esse adicional é prestar auxílio a quem necessita de ajuda de terceiros, não importando se a invalidez é decorrente de fato anterior ou posterior à aposentadoria.  "Logo, não se apresenta justo nem razoável restringir a concessão do adicional apenas ao segurado que restou acometido de invalidez antes de ter completado o tempo para aposentadoria por idade ou contribuição e negá-lo justamente a quem, em regra, mais contribuiu para o sistema previdenciário”, concluiu.


Dessa forma, os membros da TNU concederam parcial provimento ao recurso da parte-autora e determinou o retorno dos autos à Turma de origem para reapreciação das provas referentes à incapacidade do aposentado, bem como a sua necessidade de ser assistido por terceiro, condições que, confirmadas, lhe garantirão o recebimento do adicional.

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